“Quem cancela o cancelamento?” é o tema do Caminhos da
Reportagem inédito que vai ao ar neste domingo (05/09), às 20h, na TV Brasil. O
programa jornalístico discute e explica a cultura do cancelamento, que já foi
tema até de prova de redação do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem.
De acordo com a especialista em marketing digital Elis
Monteiro, o cancelamento é “um movimento coordenado na maioria das vezes por
pessoas que estão na internet e se reúnem para odiar alguém junto, ou seja,
eles decidem que aquela pessoa não merece existir no mundo digital”.
O movimento iniciado em 2017 por atrizes estadunidenses
contra o assédio e abuso sexual, o #metoo - eu também em português - foi
considerado um marco para a cultura do cancelamento. A ação ganhou força nas
redes sociais e propunha a exposição e o boicote de abusadores e assediadores.
Em pouco tempo foi replicada em todo o mundo.
Uma pesquisa publicada em 2020 pela agência de publicidade
digital Mutato analisou mais de oito mil comentários publicados na internet. O
documento dividiu as ações online em três: a primeira seria o boicote, que
geralmente está relacionado à política, marcas, pessoas ou instituições em
posição de poder. Dificilmente é efetiva. A segunda seria o ban, ou close
errado, que seria um movimento informal que atinge celebridades e anônimos, mas
é pontual. E por fim, o linchamento virtual e cancelamento. Boa parte dos
entrevistados ouvidos, 79% deles, é contrário ao cancelamento.
Em um ano, de 2019 até 2020, a palavra cancelamento foi
citada quase vinte mil vezes na internet, segundo a pesquisa. No ano passado
ela foi mencionada mais de sessenta mil vezes, o que representa um crescimento
de mais de 200%.
Em vários casos o cancelamento ultrapassa os limites digitais
e afeta também a vida off-line. A youtuber Viih Tube conta que foi agredida na
rua depois de ser cancelada na internet por causa de um vídeo. "Quando a
primeira vez que eu saí de casa depois de muita coisa que eu vivi dentro de
casa… dificuldade de comer, de levantar, só chorava. Eu fui agredida por um
homem na rua que eu nem conhecia, porque me viu pelo cancelamento ficou super
irritado com o vídeo e literalmente me agrediu…foi uma coisa surreal que eu
vivi no primeiro momento que eu quis pisar fora de casa.”, conta.
Colega de Viih Tube em um reality show, a cantora Karol Conká
também teve suas atitudes condenadas na internet e foi cancelada. Ela contou,
em uma entrevista concedida ao influenciador digital Spartakus, que além de
perder seguidores, recebeu ameaças de morte e viu contratos serem cancelados. Apesar
de afirmar que errou, a cantora ainda sofre com os efeitos do cancelamento.
"Eu reconhecendo meu erro, parece que eu estou mentindo, parece que eu não
sou merecedora de compreensão ou acolhimento. Então eu penso: todos esses anos
eu trabalhando, eu me expondo, aí tive um deslize, cometi um grande erro de não
controlar as minhas emoções, não controlar a minha ansiedade, não saber lidar
sob pressão, não sei nessas coisas, né, e aí é como se não precisasse mais de
mim. Eu me senti descartável”, afirma.
A quadrinista Camila Padilha conta que um comentário racista
feito por ela foi parar na internet. No mesmo período ela tinha ganhado um
edital para a produção de um filme de animação. A personagem principal era negra,
o que aumentou ainda mais os ataques na internet. "O fato de eu querer
falar sobre o racismo sobre uma perspectiva negra eu acho que é errado da minha
parte porque eu sou branca, não tenho essa perspectiva e a minha perspectiva de
falar sobre racismo deveria ser da perspectiva de uma pessoa branca”, afirma.
Apesar de assumir o erro publicamente, Camila foi cancelada.
Perdeu seguidores e até o emprego por causa da exposição nas redes sociais. "Eu
perdi o filme, eu perdi o emprego, tudo o que eu tinha construído assim... Tive
que me afastar das minhas redes sociais porque eu não conseguia falar”, conta.
Para o Coordenador do Núcleo de Estudos em Ética e Política
da Universidade Federal de Pernambuco, e doutor em filosofia pela Universidade
de Frankfurt, Filipe Campello, a cultura do cancelamento pode ter efeitos
devastadores. “O cancelamento é uma lógica que não perdoa. Ela não quer educar.
Às vezes uma coisa que você falou há muito tempo e que foi encontrado,
resgatado nas redes, aquilo ali parece que diz quem é essa pessoa hoje. Joga
fora essa possibilidade de que temos de mudar”, pondera.
Vivian Seixas é filha de Raul Seixas e conta que uma postagem
em rede social de um desenho do roqueiro usando máscara, por causa da pandemia
do Covid-19, repercutiu. "Teve fã que ficou super bravo. Raul jamais
usaria focinheira, Raul jamais usaria máscara. E quem tá administrando esse
canal? Só se Raul fosse um doido, né? Porque meu pai tinha diabetes, meu pai
sofria de muitas de doenças, e só se ele fosse maluco pra não usar máscara”,
diz.