Neste domingo (20/06), às 20 horas, na TV Brasil, o programa “Caminhos
da Reportagem” destaca o centenário da morte do escritor e jornalista João do
Rio e como a sua obra ainda é atual. Em “João do Rio, o cronista das ruas”, a
produção jornalística da emissora pública mostra porque ele é lembrado por ter
desvendado a alma das ruas cariocas.
Ao mesmo tempo em que foi uma testemunha da época em que
viveu (1881 – 1921), deixou uma obra que continua atual. “Se daqui a cem anos
alguém tiver que tentar entender como era a cidade do Rio de Janeiro vai ter
que recorrer a João do Rio. Mas não só como era, como ela é hoje com todas as
suas belezas, desafios, desgraças e danações”, afirma o escritor e historiador
Luiz Antonio Simas.
João do Rio é o pseudônimo mais conhecido de João Paulo
Barreto, que começou a trabalhar na imprensa aos 16 anos e morreu aos 39 anos,
no auge da carreira, de forma repentina, enquanto se deslocava num táxi. É mais famoso pelas crônicas, mas também
escreveu romance, peça de teatro, ensaio, entrevista e reportagem.
Ele integrou a boemia carioca no período da belle époque. O
Rio de Janeiro era ainda a capital do País e tentava deixar para trás o passado
colonial português para se tornar uma metrópole nos moldes parisienses. A
reforma urbana conduzida pelo prefeito Pereira Passos, que ganhou o apelido de
“bota-abaixo”, promoveu a demolição de centenas de imóveis antigos que deram
espaço a novas construções. A inauguração da Avenida Central, hoje Avenida Rio
Branco, foi o símbolo dessa empreitada que buscava alavancar a civilização e o
progresso.
Os textos de João do Rio retratam as luzes e sombras da
modernidade que se pretendia alcançar, analisa a antropóloga Julia O’Donnell.
“A modernidade não é feita só dos brilhos, ela é feita também das áreas opacas,
das partes que são esquecidas por ela. O João Paulo Barreto, na figura do João
do Rio, captou os dois lados dessa moeda chamada modernidade mostrando como
essas transformações impactaram diferentes grupos sociais”, explica a
professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Os personagens de João do Rio eram principalmente as pessoas
que ganhavam a vida nas ruas, como músicos ambulantes, estivadores,
carroceiros, tatuadores, prostitutas, vendedores de livros, pessoas sem teto,
entre outras. Gente como a artesã Vera Abílio, de 69 anos, que dorme nas
calçadas da Cinelândia, região central do Rio, há seis anos e faz toucas de
crochê para vender no outono e no inverno. “Estas com as cores do Bob Marley
têm muita procura”, diz ela à reportagem.
A professora de jornalismo da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), Marialva Barbosa, conta que naquele momento fazer carreira nas
redações era uma forma de conquistar o público e ingressar na literatura. Os
jornais estavam se profissionalizando, tornando-se “fábricas de notícias”, diz
Barbosa. Foi quando surgiu a figura do repórter, que acompanhava os
acontecimentos cotidianos da cidade e fazia entrevistas.
Uma série de reportagens de João do Rio sobre as religiões
praticadas na cidade fez dobrar a tiragem da Gazeta de Notícias, onde ele
trabalhava, e depois virou um dos livros mais conhecidos do escritor. João
Carlos Rodrigues, autor da biografia “João do Rio, vida, paixão e obra”, diz
que foi “um dos primeiros best sellers brasileiros”.
Rodrigues ressalta, porém, que apesar de ser muito popular e
ter conseguido uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, João do Rio sofreu
preconceito por ser negro, obeso e homossexual. Quando tentou entrar para a
diplomacia brasileira, a cor da pele foi um empecilho, segundo o historiador
Antonio Edmilson Martins Rodrigues. “O
Brasil não podia ter um embaixador ou um diplomata negro. Isso diante do
espetáculo da modernidade, que é um espetáculo branco”, afirma.
Para a professora Marialva Barbosa, “quando você vê um
sujeito que pertence ao grupo dos excluídos ter sucesso no Rio de Janeiro do
início do século passado, você está falando desses excluídos da história que
têm reverberação no mundo de hoje”.