O Canal Brasil exibe nesta quinta (09/07) o filme
“Carandiru”, de Hector Babenco. Rodrigo Santoro, que vive a travesti Lady Di no
longa, gravou um depoimento relembrando sua participação na produção que irá ao
ar no “Cinejornal” desta terça-feira (07/07), às 21h55, com reprise na quinta
(09/07), às 19h50.
“Eu estava buscando sair da minha zona de conforto. Eu estava
buscando expandir como artista. Eu fui completamente arrebatado pelo livro do
Dráuzio [Varella] e sempre tive muita admiração pelo trabalho do Babenco. Eu
queria fazer parte do filme de alguma forma. Quando eu li o livro, uma das
personagens que me chamou muito a atenção foi a personagem da travesti e eu
perguntei para o Hector se essa personagem estaria no roteiro. Porque até
aquele momento nós não tínhamos, nenhum de nós, lido o roteiro. Não sabíamos
qual seria a versão da história. Foi um caminho bastante longo até eu ganhar o
papel. Eu participei de vários workshops, que eram conduzidos pelo Sérgio
Penna, com quem eu já tinha uma parceria desde ‘O Bicho de Sete Cabeças’. E ali
estavam vários atores, não-atores, travestis... até que o Hector, em um
determinado momento, pudesse definir quem faria as personagens. Eu saí pra fazer
uma pesquisa, conversei com travestis, nas ruas, em Copacabana e em alguns
lugares de São Paulo, expliquei o que eu estava fazendo ali e que eu queria
entender como elas se sentiam.
A Lady Di foi, sem dúvida nenhuma, um divisor de águas na
minha carreira. Foi muito importante, principalmente, por tudo o que me
ensinou, por ter me permitido uma aproximação com essa realidade e por tudo o
que eu pude aprender sobre esse universo, ampliando, ampliando a minha escuta e
quebrando os meus próprios preconceitos. A cena que a Lady Di se encontra com o
médico é muito importante porque ela introduz a personagem, mas, acima de tudo,
porque ela oferece pra ela, vítima de tanta marginalização, uma rara
oportunidade, que é a de se expressar com liberdade, sem julgamento, sendo
acolhida por um profissional da saúde. Ela fala também de algo que é
fundamental: a necessidade de se testar. Então essa cena tem esses simbolismos
todos.
Eu tive muita sorte, na verdade, de fazer um personagem tão
complexo como a Lady Di ao lado de alguém como o Gero Camilo, que é um artista
de uma generosidade imensurável, um ator que está absolutamente presente em
cena, disposto à troca. Para dar um exemplo, eu destacaria aquela cena em que
eles recebem o resultado do exame de HIV, uma cena bastante difícil de fazer.
Nós improvisamos um pouco porque, além da tensão inerente que a própria cena
tem, é ali que o expectador consegue compreender melhor aquele casal, o ponto
que une os dois. Então ali era preciso muita cumplicidade e foi um presente enorme
ter o Gero para dividir esse momento.
Nós filmamos em um pavilhão desativado, mas que ainda estava
totalmente vivo, cheio de marcas nas paredes, no chão, em todo canto. Era uma
energia bem pesada. Filmamos um pouco antes da demolição do Carandiru. E eu me
lembro de ficar muito impressionado com o tamanho daquele lugar. E eu fiquei
absolutamente impactado com aquilo tudo, com aquela realidade. Eu nunca esqueci
as imagens que eu vi lá.
O Sergio Penna foi e continua sendo uma pessoa fundamental na
minha trajetória como artista. Nós formamos uma parceria muito forte que segue
até hoje. O trabalho do Penna é conduzido com muita delicadeza e escuta. Ele se
aproxima do ator e tem um olhar muito singular na construção de cada
personagem. Mas o mais impressionante é a capacidade que ele tem de ser ao
mesmo tempo presente e invisível. Ou seja, ele colabora mas não interfere.
Foi um verdadeiro privilégio fazer Carandiru. Eu tive a
oportunidade de trabalhar com o Hector Babenco, com o Walter Carvalho, com uma
equipe e um elenco de altíssimo calibre. Foi um grande aprendizado”.