Cerca de nove mil refugiados, provenientes de 80 países,
vivem hoje no Brasil. Em geral, essa migração forçada deve-se à deflagração de
conflitos étnicos, políticos e geográficos em suas nações de origem. No
episódio Refugiados, da segunda temporada da série Habitar Habitat, os
diretores Paulo Markun e Sergio Roizenblit recuperam as memórias migratórias de
refugiados oriundos do Haiti, Síria, Congo, Colômbia e da antiga Iugoslávia, e
expõem as dificuldades de integração que ainda emperram as suas vidas. O SescTV
estreia a produção nesta terça-feira (20/02), às 22h.
Dos nove mil refugiados que vivem no Brasil, 2480 são sírios.
Isso porque, a partir de 2011, as forças do presidente Bashar Al-Assad
chocaram-se com as da oposição. Nesse período, conta-se 400 mil mortos e onze
milhões de pessoas que debandaram de suas casas. Uma delas foi Abdulabaset
Jarqur. Militar na guerra síria, foi baleado e, em seguida, decidiu fugir. “Ninguém
vai entender a situação, por que eles matam assim”, lamenta.
Quando chegou em São Paulo, em 2014, Abdu foi acolhido pela
professora Valdivia Barboza. Preferiu evitar o refúgio na Europa, ainda ilegal
em muitos países. Ele pede que tenham a solidariedade que Valdivia teve com
ele, com outras pessoas. E opina que, se cada um abrir uma porta, o refugiado
ficará bem. “Porque o governo não ajuda”, critica.
O episódio também destaca a história da congolesa Sylvie
Mutiene. Em 2013, após os conflitos com Ruanda de 1998 a 2003, o Congo ainda
era um país violento. Em uma manifestação, o marido de Sylvie, membro do
partido de oposição congolês, foi preso. Ligou para Sylvie e pediu que se
apressasse a deixar o país. Mas ela não teve tempo. Militares invadiram a
residência do casal, agrediram Sylvie, tomaram-lhe o filho do colo e o atiraram
à parede.
“Naquele dia, tudo mudou na minha vida para eu morar no
Brasil”, relembra, ainda com dor. Ela conta que conheceu um capitão de navio
que a escondeu, junto com seu filho, em uma embarcação. O destino, desconhecido
por eles, era São Paulo. Quando ela foi se registrar em um abrigo de refugiados
na cidade, teve a surpresa: a recepcionista chamou o nome de seu marido. Ela se
espantou com a coincidência: ele não só fugira para a mesma cidade, como estava
no mesmo abrigo. “Foi naquele dia que eu acetei o meu destino. Foi naquele dia
que eu aceitei que ele era o homem da minha vida”, comove-se Sylvie.
São contadas, ainda, três histórias: a do casal Chilet e
Ronia, que fugiram de Porto Príncipe, capital do Haiti, após o terremoto
devastar 80% da cidade em 2010, e abrigaram-se no Rio Grande do Sul; de Dragica
Stefanovic, forçada, por conflitos separatistas da antiga Iugoslávia, nos anos
1990, a se apertar em um contêiner de 24m² na Serra da Cantareira; e de Fábio
Andrade, que, em 2013, foi a São Paulo morar no CRAI (Centro de Referência e
Atendimento a Imigrantes), após deixar a Colômbia, para se proteger do conflito
entre o governo local e as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e,
para quem, “a guerra vem só para acabar com a beleza do país e das pessoas”.
As cinco narrativas que compõem o episódio da série Habitar
Habitat alertam para as mesmas dificuldades vividas pelos refugiados no Brasil.
No episódio, Julia Bertino Moreira, professora de Relações Internacionais da
Universidade Federal do ABC, esclarece o que essas pessoas têm em comum.
“A questão dos refugiados se refere a pessoas desenraizadas,
ou seja, pessoas que tiveram de se deslocar, de maneira forçada, abandonando
seu país de origem. Portanto, tem todo o imaginário em torno da terra natal, de
costumes, tradições, a questão linguística, e assim por diante. Elas migram em
contextos de extrema violência, por guerras civis, conflitos armados, ou mesmo
outras situações de instabilidade política, o que vai leva-las a pedir refúgio
a um outro Estado”, define.