O cortiço tornou-se um tipo de moradia conhecido pelos
brasileiros na descrição do romance homônimo de Aluísio Azevedo, publicado em
1890. Um século transcorreu e os diretores Paulo Markun e Sergio Roizenblitz
decidiram investigar como essas habitações têm resistido atualmente. O episódio
Cortiço, da segunda temporada da série Habitar Habitat, se propôs a mergulhar
nesse novo retrato. O SescTV estreia a produção nesta terça-feira (16/01), às
22h.
Autor de estudos sobre a recuperação de cortiços, o arquiteto
Afonso Lopez explica que, em 1991, a Lei Moura estabeleceu para o município de
São Paulo o conceito desse tipo de habitação: trata-se de um lote urbano com
muitas edificações, compartilhado entre famílias e cujos cômodos assumem várias
funções. “Em um cômodo você dorme, você cozinha e você tem sua sala de estar”,
exemplifica Afonso.
O arquiteto relata que há uma abundância de cortiços no
centro de São Paulo e comenta que seu morador padrão é o ambulante. A condição
desses trabalhadores informais prevê uma barreira, porque “eles não têm
trabalho registrado, que comprove renda para alugar uma casa”, explica a
educadora Maria dos Anjos. A serviço do Centro Gaspar García de Direitos
Humanos, ela trabalha para auxiliar os moradores de cortiços a aprimorar esses
espaços, sugerindo-lhes dicas e garantindo-lhes uma condição de vida razoável.
O episódio de Habitar Habitat mostra que muitas famílias,
para evitar um aluguel caro, acabam preferindo comprar o cortiço. Pagam pouco
por uma infraestrutura desgastada. Mas, com o tempo, eles mesmos, se esforçam
para reformá-la e melhorá-la. É o caso de Francisco, 34, morador do cortiço 13
de maio. Há 15 anos, ele comprou um terreno abandonado por R$ 200, à época de
quando ainda servia como ponto de drogas. Hoje, após investir R$ 50 mil,
garante, a propriedade vale R$ 150 mil. “Eu não vejo mais como cortiço, hoje
vejo como um condomínio”, diz.
A característica central de um cortiço, para o bem e para o
mal, é a coletividade. Como os moradores precisam viver em conjunto, dividem
custos e investimentos, definem regras de convívio, fazem mutirão de limpeza;
ajudam-se, vivem em comunidade. Mas há exceção a toda regra. Tatiane Moreira,
32, moradora do cortiço Canindé, na cidade de São Paulo, conta que, quando o
tanque de lá entope, apenas ela se propõe a desentupi-lo. “Quando você pede
ajuda, reclamam. É difícil, um espera pelo outro”, se queixa.
O episódio ainda revela como é comum aos moradores de
cortiços presenciarem as disputas judiciais travadas com os proprietários e que
tratam da possibilidade deles se efetivarem no imóvel, a partir de uma ação de
usucapião. Também residindo no cortiço Canindé, Cristiana Pereira - a Índia -
apavora-se com essa incerteza: “Agora a gente está aqui, mas não é seguro,
estamos prestes a perder a moradia. Você está sem trabalho e sem dinheiro, se
perder o único lugar que tem para morar, vai fazer o quê?”.