Na véspera
do Dia da Consciência Negra, a TV Brasil exibe a entrevista do ator, dramaturgo
e diretor Clayton Nascimento para a apresentadora Eliana Alves Cruz na edição
especial do Trilha de Letras desta quarta-feira (19/11), às 23h. O programa
temático se insere na campanha "Vozes Negras: Em Alto e Bom Tom" que
reforça o compromisso do canal público com a diversidade e a
representatividade.
Mente
criadora responsável pelo espetáculo teatral "Macacos", que ganhou
livro homônimo, o convidado revela os bastidores da concepção do monólogo.
O artista
recorda o episódio de preconceito que o inspirou a criar a montagem da
dramaturgia. Ele conta como se sentiu ao acompanhar o caso do goleiro Aranha,
do Grêmio, ofendido pela torcida tricolor do clube gaúcho em 2014. A situação
real foi transformada em uma peça para denunciar o racismo estrutural existente
na sociedade sob a perspectiva do contexto artístico.
"Eu
morava na Universidade de São Paulo, a USP, e um dia cheguei nas moradias e
liguei a TV. Vi um estádio de futebol inteiro xingando um goleiro. Isso foi
aqui no Brasil. Me impactou. Sabia que acontecia, mas eu não tinha visto em
massa", lembra ao mencionar suas reações ao fato na conversa gravada na
BiblioMaison, a biblioteca do Consulado da França no Rio de Janeiro.
O autor
relata sua surpresa com a agressividade da ofensa que o fez questionar a origem
dessa violência. "Eu pensei em um lugar que é televisionado, que a
imprensa está ali, com muita gente junta, as pessoas conseguem colocar naquela
situação de xingar o outro, mesmo com as câmeras viradas para elas: isso é um
crime. Aí nasce o primeiro clique: de onde nasce esse xingamento? Forças
históricas estão permitindo que aquelas pessoas entrem ali e xinguem. Eu tenho
que estudar de onde vem. Eu passo sete anos estudando isso dentro da
Universidade de São Paulo na biblioteca e nas aulas", decide.
A reflexão
sobre o episódio de racismo passa a basear os estudos do pesquisador que
mergulha no assunto em suas pesquisas. Clayton Nascimento conta para a
jornalista Eliana Alves Cruz sua experiência nesse processo.
"Eu
pego emprestado um conhecimento da Lélia González. É importante você pegar uns
termos muito doloridos para você ter a chance de ressignificá-los. Porque o
fato é: o xingamento já existe. Vou pegar ele aqui emprestado para contar quais
são as origens dele", explica.
Sobre o
título "Macacos", o convidado é enfático. "Às vezes as pessoas
me dizem: poxa, mas que título duro. E aí eu penso Duro é esse xingamento
ser histórico. Duro é esse xingamento existir nas ruas. Eu sou um artista em
estado de criação e na arte a gente tem a liberdade de pegar palavras
emprestadas e ressignificá-las", defende.
Clayton
Nascimento foi vencedor do Prêmio Shell e conquistou o APCA como Melhor Ator
pelo espetáculo. "Desde a estreia da peça muita mãe periférica me escreve
dizendo que está começando a dormir em paz. O assunto está em voga sobre a
maternidade negra. As mães que muitas vezes acabam abandonadas pelo
estado", pontua.
Os desafios
para colocar em prática as ideias de seu processo criativo para a peça
"Macacos" são lembrados pelo dramaturgo. "É um monólogo por
consequência, porque eu passei anos tentando montar uma equipe que quisesse
trabalhar comigo. As pessoas diziam que o tema era muito árduo e difícil. Aí que
eu escrevo, dirijo, interpreto e acaba virando um monólogo", afirma.
O convidado
aborda sua vivência na sala de aula. No Trilha de Letras, Clayton Nascimento
comenta o desenvolvimento de uma produção acadêmica voltada para os
conhecimentos da periferia em detrimento das grandes teorias de comunicação
europeias.
"É
diferente e desafiador você estar dentro da academia", revela o dramaturgo
sobre como se sente na universidade e ao refletir sobre os desafios da educação
no país quando discute as oportunidades e a presença de pretos brasileiros
periféricos nas universidades. "Informações são ferramentas de luta, de
defesa e de estruturação social", avalia.
Clayton
Nascimento elenca outros problemas inclusive conceituais que se encara neste
meio. "Muitas vezes os professores e a diretoria acadêmica não entendem a
sua pesquisa. Acham que você querer falar sobre conhecimentos da periferia não
é tão potente quanto as grandes teorias da comunicação europeia. Então tudo é
trabalho de luta, mas eu prefiro estar dentro da academia em estado de luta do
que fora reclamando", sintetiza.
O
entrevistado da atração literária do canal público aprofunda o raciocínio sobre
a temática. "A educação brasileira, e eu falo isso na peça, ela tem o
desenho de um funil. Porque vai mostrando como é difícil sair do ensino
infantil, entrar no básico, no médio, na graduação, na pós-graduação. As
oportunidades vão afunilando, sufocando a possibilidade de você chegar num
doutorado, por exemplo", compara.