O programa “Trilha de Letras” recebe a tradutora e
pesquisadora americana Flora Thomson-DeVeaux na edição que vai ao ar
nesta madrugada de domingo (20/10) para segunda-feira (21/10), à 0h30 e 5h30,
pela TV Brasil. Responsável por uma nova tradução para o inglês do livro
"Memórias póstumas de Brás Cubas", clássico de Machado de Assis, ela
conversa com a apresentadora Eliana Alves Cruz sobre a obra que
viralizou na internet após uma booktuber ler e comentar a respeito.
Flora Thomson-DeVeaux aborda a natureza do trabalho de
tradução, sob a perspectiva dos códigos e forma de falar, a partir da linha do
tempo e das características de cada idioma. "O desafio é preservar. Não
introduzir elementos demais na obra", alerta.
Radicada no Brasil, Flora lançou uma versão de "Memórias
póstumas de Brás Cubas" que provocou a redescoberta de Machado de Assis,
primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), entre a população
dos Estados Unidos.
A tradutora explica como conduziu esse processo para
respeitar a escrita original do Bruxo do Cosme Velho. "Comprei muitos
dicionários do português para o inglês do século 19. Bato o olho numa palavra
do Machado. Penso numa série de possibilidades de tradução, mas, às vezes, as
nuances das palavras que me ocorrem já são tingidas por uma vivência do século
21. Tento fazer esse exercício de imaginação como se Machado tivesse acabado de
me entregar os manuscritos", pondera.
Flora fala sobre essa lógica de apresentar um texto que
desperte o interesse do público, mas associado à ideia original do célebre
escritor. "Penso que preciso construir essa ponte. Ao mesmo tempo que
busco fazer a tradução mais aproximada daquele momento do Machado, estou
chegando com mais de um século de atraso no leitor. É um esforço de habitar a
obra nos termos dela e perceber quais os acenos preciso fazer para que o leitor
não perca a referência do que Machado está dizendo", afirma.
O livro do autor brasileiro chegou a ficar entre os dez mais
comprados na seção de América Latina da Amazon. A marca obtida pelo clássico
"Memórias póstumas de Brás Cubas" é considerada um feito enorme já
que apenas 3% da literatura consumida pelo público norte-americano é de
romances traduzidos, escritos originalmente em outros idiomas que não o inglês.
Flora ainda menciona que essa é a quarta tradução do título
para o inglês. "É raro ter tantas traduções para uma mesma obra. É uma
janela inacreditável para começar a expor as riquezas latentes no texto que
começam a ser reveladas", compartilha ao comentar sua relação com as
versões anteriores e a respeito do que não é dito verbalmente pelo personagem
principal, mas está nas entrelinhas do texto.
"Não existe uma resposta certa. Não é uma equação
matemática. É uma questão muito subjetiva. São sistemas de escolhas conscientes
e inconscientes", declara Flora para refletir sobre as diversas traduções
do mesmo livro. "Machado tem um jeito muito seco. Brás Cubas não vai se
esforçar minimamente para você entender a piada dele", sugere a tradutora
que se engajou e ficou surpresa com o conteúdo da narrativa. "Comecei pela
galhofa e saí pela melancolia", resume.
A convidada destrincha o sentimento que Brás Cubas não
explicita, mas Machado de Assis demonstra sobre a sociedade escravagista da
época. "O que está na primeira camada é o humor, mas a análise da crítica
social e do panorama da sociedade brasileira é mais fácil para o leitor perder.
Não percebi tanto numa primeira leitura. Então, a minha preocupação era fazer
com que isso transparecesse", pontua.
Flora revela no Trilha de Letras como nasceu sua paixão por
Machado de Assis e pelo Brasil. "Há quinze comecei a estudar português.
Foi por acaso. O Brasil não fazia parte da minha vida. Estudei espanhol na
escola, como muitas crianças nos Estados Unidos, mas não tinha conexão com a
América Latina e muito menos com a língua portuguesa. Na faculdade, eu comecei
a estudar. Era muito difícil", recorda.
No "Dando a Letra", quadro com dicas de leituras, a
booktuber Daniela Erthal indica o livro "A Segunda Pátria", romance
do escritor Miguel Sanches Neto. Na narrativa, o autor propõe um conteúdo
verossímil em muitos aspectos ao trazer uma perspectiva ficcional que subverte
a realidade da história brasileira. O texto inclui metáforas sobre racismo,
além de abordar democracia e liberdade ao conjecturar o nazismo no país.