Durante a Segunda Guerra Mundial, enquanto as frentes de
batalha na Europa causavam estragos e mortes, Londres, uma das cidades mais
bombardeadas no conflito, recebia um suspiro em forma de arte e compromisso de
paz. A história de como 70 artistas modernistas brasileiros levaram suas obras
para a capital inglesa a fim de ajudar na luta contra o nazifascismo é contada
no documentário inédito “Arte da Diplomacia”, que estreia nesta
terça-feira (15/10), às 22 horas, no Canal Curta!.
Viabilizado pelo Curta! através do Fundo Setorial do
Audiovisual (FSA), o longa foi produzido pela Anti Filmes, Boulevard Filmes e
Donna Features. Com relatos de personalidades como a crítica Aracy Amaral e a
historiadora Anita Leocádia Prestes e com imagens de arquivo, o documentário
apresenta os motivos, os ideais, as estratégias e as consequências de expor ao
mundo a arte brasileira moderna naquele momento.
“O que me chamou a atenção era o aspecto diplomático da
iniciativa. Ela foi capitaneada por Osvaldo Aranha, que era o chanceler, e que
esteve por trás do envio das tropas brasileiras para a Itália. Havia o objetivo
claro de reposicionar o Brasil no imaginário e no sistema internacionais.
Tratou-se de iniciativa de soft power”, explica o diplomata e pesquisador Hayle
Melim Gadelha.
O diretor Zeca Brito recorre às origens das relações entre o
Brasil e o Reino Unido e ao contexto de dificuldades políticas que os próprios
artistas sofriam durante o Estado Novo de Getúlio Vargas para mostrar como a
exposição serviu a vários propósitos, entre eles, obter prestígio internacional
e mostrar ao mundo que o país chegava a uma nova era, deixando de ser um país
exportador de matérias-primas para ser uma nação com peso e importância no
campo das ideias.
“Essa coleção demonstra muito bem que não existe uma única
arte brasileira, demonstra claramente a vivacidade de modelos estéticos e
provocações estéticas. Se alguém fosse lá à procura de um Brasil, sairia
compreendendo que havia 50 Brasis, ou muito mais. Porque cada uma daquelas
obras, daqueles artistas, tinha um traço muito característico, uma autonomia
artística muito grande”, afirma Vinicius Mariano de Carvalho, professor
associado de Estudos Brasileiros no Brazil Institute do Kings College London.
Além de criar e fortalecer laços através das artes, o
trabalho diplomático da exposição em Londres contribuiu diretamente na luta
contra o Eixo na Segunda Guerra. Sucesso de público, com mais de 100 mil
visitantes na Royal Academy, e de crítica, se estendendo para outras sete
cidades, o valor arrecadado pela venda das obras foi doado à Força Aérea
Britânica, que desempenhava importante papel no conflito.
O documentário explora a função política e social das artes,
destacando como artistas e obras foram selecionados não só pelo critério do
talento, mas também em um intuito de provocação e reafirmação de valores
humanitários. Se o nazismo considerava a arte moderna como um trabalho degenerado,
a exposição abria um novo campo de resistência contra o preconceito.
Mais de 160 obras de artistas consagrados como Tarsila do
Amaral, Cândido Portinari, Di Cavalcanti, Heitor dos Prazeres, o único negro, e
Carlos Scliar, judeu, comunista e gay, compuseram a mostra. Augusto Rodrigues,
em depoimento pela ocasião da entrega dos trabalhos, definiu e exaltou o objetivo
da iniciativa, fortalecendo os laços contra a extrema-direita.
“A presença dos nossos quadros em Londres representa a
contribuição que viemos trazer ao esforço de guerra britânico. Como artistas,
foi a melhor maneira que achamos de expressar aos ingleses a nossa admiração e
solidariedade e esperamos que seja o nosso gesto apreciado no sentido moral e
simbólico mais do que por seu valor material”, ressaltou.
Arte Da Diplomacia é uma produção original do Curta!.